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Grande ABC não terá
internação compulsória

Região investe em humanização e amplia rede para lidar
com dependentes de drogas; S.Bernardo serve de modelo

Por Camila Galvez
Do Diário do Grande ABC
27/01/2013 | 07:00
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O governo do Estado implantou na última semana medida polêmica para combater o consumo de drogas na Cracolândia, no Centro da Capital. Em parceria com Ministério Público, Tribunal de Justiça e OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), dependentes químicos poderão ser internados de maneira compulsória (contra a vontade) para tratamento. A medida, que é garantida por lei, será efetuada apenas em casos extremos, e é aprovada por 90% da população, conforme pesquisa deste ano do Datafolha.

Apesar da afirmação do governador Geraldo Alckmin (PSDB) de que, caso alcance sucesso, o programa pode ser estendido para outras cidades do Estado, secretários e coordenadores da área de Saúde Mental da região descartam a adoção da internação compulsória e investem em humanização e trabalho em rede para lidar com usuários de drogas.

São Bernardo é cidade considerada modelo pelo Ministério da Saúde e também possui a maior rede de atendimento (leia mais abaixo). Segundo o secretário de Saúde da cidade, Arthur Chioro, o modelo de internação compulsória passa longe das políticas municipais. "Estudos clínicos apontam que o sucesso da internação sem consentimento do paciente é inferior a 2%. Portanto, vamos continuar caminhando na base do diálogo."

Nas demais cidades, a rede ainda não é tão estruturada, mas os planos são implantar modelo semelhante ao de São Bernardo, com base nas diretrizes do governo federal. Inspirada pelos anos em que foi secretária-adjunta de Saúde no município, Lumena Furtado, hoje à frente da Pasta em Mauá, anunciou nesta semana a reestruturação do atendimento. Uma das primeiras iniciativas, que deve acontecer ainda neste semestre, é a ampliação do horário de funcionamento do Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas), que passará a ser 24 horas, e a instalação do consultório de rua, entre outras medidas anunciadas pelo Diário na quinta-feira. "A internação sem o consentimento do paciente é o último recurso. Investir no diálogo é sempre o melhor caminho."

Em Santo André, a assistente de Saúde Mental Maria Regina Tonin, buscará auxílio do governo federal para instalar mais unidades do Caps, consultório de rua e repúblicas terapêuticas. "Tenho 30 anos de experiência na área e, em pouquíssimos casos, tivemos de recorrer à internação compulsória. O que precisamos fazer é ter as portas da rede de Saúde abertas para acolher os usuários que a procuram. E o consultório de rua complementa esse trabalho com a criação de vínculo com os mais resistentes."

Em Ribeirão Pires, a ideia também é ampliar o diálogo. "A pessoa não consegue se recuperar se não estiver disposta", garante a responsável pelas ações de Saúde Mental e Infectologia da Secretaria de Saúde e Higiene, Nanci Garrido Butin.

Segundo o secretário de Saúde de Diadema, José Augusto Ramos da Silva, o consultório de rua, que foi implantado pelo ex-prefeito Mário Reali (PT), está sendo reavaliado na cidade, pois a prioridade é a contratação de médicos. "De que adianta ter o consultório de rua se não temos como tratar os dependentes? Estamos promovendo a reestruturação da Saúde a fim de atrair profissionais especializados para trabalhar em Diadema."

Sobre a internação compulsória, o secretário é categórico. "Só adiantaria se, para cada usuário internado, a polícia prendesse também um traficante."

Consultório de rua foca em redução de danos

Às margens de um córrego no bairro Paulicéia, divisa de São Bernardo com Diadema, a jovem de sandália plataforma sai do meio do matagal. Carrega uma bolsa cinza e, com mãos magras e tremulas, tenta guardar um batom e uma caixinha com unhas postiças. "Tô indo embora, gente, tô indo."

Ela está sob efeito do crack, mas ninguém barra seu caminho. Apenas perguntam se está bem e se sente alguma dor. Ela diz que não e segue em frente, subindo pelo terreno acidentado como se fosse rua asfaltada. Não quer conversa.
Um de seus colegas, porém, permanece e recebe o kit de redução de danos: um copo de água, uma caixinha de água de coco, um chocolate e um protetor labial. A aceitação é considerada pelo consultório de rua de São Bernardo como uma vitória. "É o primeiro passo para a criação do vínculo", explica o coordenador do programa, Davi Benetti.

Criado em 2010 com base em diretrizes do governo federal, o consultório de rua de São Bernardo serve de modelo para políticas de combate às drogas em todo o País. Com a humanização e a liberdade de escolha como foco, distancia-se do programa de internação compulsória adotado na semana passada na Cracolândia, na Capital. "Nosso objetivo principal é abrir as portas do serviço de Saúde para os dependentes químicos. Isso não implica, necessariamente, em oferecer o tratamento para que ele se livre do vício, mas sim em tratar sua saúde como um todo", garante Benetti.

O tratamento contra as drogas, diz ele, é uma carta na manga, oferecida quando a pessoa toma consciência da situação em que se encontra e, por si só, busca ajuda. Ele é feito nos dois Caps AD (Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas), um adulto e outro infanto-juvenil. "Mas não são todos os casos que evoluem assim. Não buscamos a abstinência total, e sim devolver o poder de escolha de cada indivíduo, sem julgamentos", complementa a coordenadora de Saúde Mental Stella Maris.

Somente no ano passado, o consultório de rua abordou cerca de 800 pessoas, entre dependentes, moradores de rua e situações de prostituição. Benetti estima que, desde o início do programa, cerca de 15 usuários estão hoje em tratamento específico para se livrar do vício nos Caps AD. A cidade conta ainda com duas repúblicas terapêuticas. Já o Caps atende, em média, 1.500 usuários por mês, sendo que a maioria tem entre 25 a 44 anos.

RECUPERAÇÃO

O encanador José Bento Ferreira dos Santos, 58 anos, está há 8 meses em tratamento contra o álcool. Já perdeu a conta de quantas vezes se internou voluntariamente em 18 anos de luta. "Quando saia, o bar estava sempre no mesmo lugar." Com a experiência, sabe que para se livrar do vício, tem de viver um dia de cada vez.

A jovem Laura (nome fictício), 18, vive hoje em uma das repúblicas terapêuticas. Chegou a ser abordada pelo consultório de rua, mas tentou se livrar do vício sozinha. Foi parar no Caps, em surto, após tentar matar os irmãos. "Meus pais são usuários de droga também, então não posso voltar para casa. Vou mudar de vida, estudar, trabalhar e ter meu apartamento. É assim que quero viver." O poder de escolha ela já tem.




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